“Em seu livro “Tian Yün” (天運), Zhuangzi conta que Confúcio, aos cinqüenta e um anos de idade, visitou Lao Tzu pela primeira vez e os dois conversaram. Chegando em casa, Confúcio ficou três dias sem pronunciar uma única palavra. Seus discípulos o perguntaram como foi a visita, e Confúcio lhes respondeu que finalmente viu um dragão! Pois “Lao Tzu é como um dragão, tão fascinante que voa nas nuvens, em perfeita harmonia com o universo, de forma tal que me deixou encantado a ponto de ficar de queixo caído, sem saber o que dizer”.”

“Serás capaz de educar a tua alma para que ela abarque a Unidade sem se dispersar?

Serás capaz de unificar a tua força e conseguir a delicadeza de uma criança?

Serás capaz de purificar a tua visão íntima até torna-la imaculada?

Serás capaz de, quando se abrem e se fecham as portas do céu, ser como a fêmea de um pássaro?

Serás capaz de, com a tua clareza e pureza interior, penetrar em tudo sem precisar de ação?

Produzir e alimentar,

Produzir e não possuir,

Agir sem guardar para si,

Aumentar sem dominar:

Eis a vida secreta. “

(Lao Tzu)

Gostaria de partilhar uma experiência pessoal que me fez refletir um tanto sobre o ato de educar…

Estou praticando Kung Fu e consegui minha primeira graduação de faixa. Levei um tempo longo para tanto. Cuidar da família e da minha vida profissional algumas vezes me fez perder o ritmo de dedicação aos treinos. Precisava voltar e aprender as técnicas novamente. Para aprender Kung Fu, é preciso adquirir um ritmo. Exige repetição, muita repetição. Mas não desanimei. Fui me alinhando. Também precisei lidar com o fato de que passei a maior parte de minha vida apenas estimulando o intelecto e arrastando um corpo sedentário. Isso me fez ter que aprender a lidar com a dores do treino e com a pouco fôlego que tinha. Estou, mais do aprendendo Kung Fu, reeducando o meu corpo.

Sempre me identifiquei com a filosofia oriental e me encantava com as artes marciais. Mas era um mero espectador. Nunca tinha me colocado naquele lugar de estar ali realizando aqueles movimentos. Quando tomei coragem e comecei a praticar, compreendi que eu também poderia ser capaz. Não sou possuidor de grandes habilidades, mas me sinto bem, dentro de minhas limitações, quando faço os movimentos de um Kati. Isto toca o meu coração. Não pretendo ganhar campeonatos ou ser um Bruce Lee, mas percebo que enquanto meu coração bate alegre ao se esforçar em aprender Kung Fu, só isto já basta.

O dragão que estampa o uniforme que uso para treinar simboliza bem o que é o Kung Fu. É mortal, agressivo, destemido e ao mesmo tempo belo, gracioso e pacífico. Em sua mítica, seja no oriente, seja no ocidente, ele é o guardião de preciosos tesouros. Simbolicamente, é o regente de tudo aquilo que precisamos desenvolver enquanto potencialidade em nossas vidas. Em alguns contos, ele precisa ser vencido para que os tesouros sejam conquistados. Em outros, ele precisa ser domado e cavalgado até os céus. Pessoalmente, gosto mais da segunda versão. Cavalgar um dragão me parece muito mais interessante do que enfiar uma lança em seu dorso.

Ao praticar Kung Fu, aprendemos a domar o dragão. Por um lado, enfrentamos o cansaço, a preguiça, as dores, as dificuldades, as nossas limitações, nossos medos. Pelo outro, voamos aos céus e conquistamos a contemplação do êxito em um movimento, de se sentir capaz, realizado. E não é assim, em tudo o que nos dispomos a aprender e vivenciar?

E então reflito… Enquanto educadores, pais, cidadãos, até que ponto proporcionamos para as crianças a oportunidade de domar o dragão?

Aprendizado exige esforço, energia. Passa pelo erro, pela frustração, pelo cansaço, pelo desânimo. Muitas vezes, é difícil visualizar a meta, o resultado do aprendizado. Mas, ao atingir o céu, aprendemos não apenas aquilo que foi proposto, a especificidade do que está sendo estudado, mas também aprendemos sobre o valor próprio do aprendizado, isto é, suas peculiaridades, seus desafios e a importância de seguir adiante até o cume da realização.

Aprender sobre o aprendizado é fundamental. Nisso, determina-se a base que todo ser humano tem para dispor seu tempo e energia nesta arte. De ir adiante, de buscar, amadurecer, evoluir. Sem o desenvolvimento correto desse fundamento, os desafios tornam-se sem sentido e as sombras que se relacionam às dificuldades destes acabam prevalecendo. Vence a preguiça, vence o cansaço, vence o desânimo e vencem as inúmeras justificativas que damos a nós mesmos para desistir de prosseguir.

O problema nesse caminho reside justamente no sentido. Pois, nenhuma dor, nenhum esforço pode fazer sentido sem que resulte em uma plena realização dos objetivos traçados para o aprendizado. E é nesse ponto em que devemos nos atentar e questionar. Pois, principalmente para o aprendizado de crianças e adolescentes, por vezes nos omitimos de lhes oferecer o céu. A criança se esforça em aprender e o que recebe se resume a uma avaliação ou um elogio. Existe pouca ou nenhuma realização prática a partir do aprendizado. E partir disso, precisamos utilizar do discurso do dever, da obrigação, para que a criança continue se esforçando nos estudos.

A matéria é exposta, os dados estão na lousa, mas, para que servem? Este é um questionamento natural, para exemplificar. O aprendizado de uma fórmula matemática não faria mais sentido se com essa capacidade adquirida a criança pudesse realizar alguma obra, como construir algo interessante ou fazer algum experimento que aguce ainda mais a curiosidade? Este é o céu. Pois o dragão plana além das nuvens para enxergar mais longe. Este é o sentido do aprendizado. Ele não pode acabar em uma avaliação ou em uma aprovação. Ele precisa dar saltos e estimular a essência do aprender, que reside no questionamento sem fim e na natural alegria da criação.

Outro problema relacionado ao modelo de aprendizado pelo qual expomos as crianças e adolescentes é a própria avaliação. O desempenho medido em números desestimula o aprendizado quando a criança não consegue acompanhar a média de seus colegas. Como não existe o céu, uma nota baixa ou medíocre não vai ajudar a criança a continuar se interessando pelo tema. Não precisamos ter um primor de talento para nos alegrarmos em nosso aprendizado. Precisamos apenas que faça sentido, que nos dê algum prazer para valorizarmos nosso esforço. Volto ao meu relato: Não sou atleta, provavelmente nunca ganharei um campeonato de Kung Fu. Mas praticando Kung Fu eu vejo o céu. E isto me basta. Posso admirar aqueles que demonstram maior habilidade e me inspirar neles. Mas não estou competindo nem me sentindo inferior. O aprendizado faz sentido.

Percebam que o que mais nos deparamos nas escolas são crianças que desistem do real aprendizado de determinada matéria. Matemática se torna um estorvo, algo para ser odiado. Português uma coisa chata e careta. É bem simples de entender estes sentimentos, quando os aprendizados desses saberes não encontram o céu da realização. Sem mirar seus horizontes, tornam-se apenas deveres mecânicos. Faz-se a prova, passa-se de ano e o conteúdo fica para trás como apenas uma obrigação cumprida.

Domar o dragão é um ato de autoconhecimento. Aprender sobre o aprendizado é compreender o próprio processo da vida, em todas as suas etapas. Na busca por seus talentos mais naturais, o ser humano precisa navegar entre os diferentes saberes, tendo a mente aberta para experimentar e persistir no aprendizado. Começando a domar o dragão, ele enfrentará suas próprias sombras até poder tomar as rédeas e encontrar o Céu. Pais, professores, mestres, guias, terapeutas precisam se atentar ao fato de que, se não mostrarem o céu aos seus filhos e pupilos, o aprendizado jamais será pleno e fará sentido.

Gostaria de ofertar esta reflexão e agradecer a academia de Kung Fu Shao Lin de Valinhos. Com maestria, lá se ensina a domar o Dragão, na alegria do aprendizado pleno, onde qualquer um, atleta ou não, de qualquer idade, pode atingir o Céu e mirar os horizontes da graça e dos ensinos que esta arte marcial trás. Na falta de ambientes onde o aprendizado se dá por inteiro em nossa sociedade, proporcionar para a criança a experiência de praticar uma arte marcial em um ambiente adequado é um bom caminho no processo de aprender sobre o aprendizado e desenvolver valores essenciais à vida.

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