“Hoje crianças e adolescentes não sabem lidar com frustração”.

Esse tipo de proposição tem sido largamente defendido por profissionais e leigos em educação e saúde mental. Não é uma análise nova, mas ressurge sempre que algum tema propagado na mídia reforça o interesse pela saúde mental de crianças e adolescentes. E quase sempre, infelizmente, este tema é renovado por crises, tragédias, pelo absurdo.

Falar de saúde mental é delicado, pois não se trata de um tema que podemos enviesar por opiniões gerais que atendam nossas necessidades de compreensão da realidade. Este tema é tão multifacetado quanto são as diferentes linhas filosóficas de pensamento, pois estamos diante de uma realidade em questão desde que o ser humano caminha nesse planeta: nossa própria existência.

Me causa profunda indignação quando me deparo com profissionais que lidam direta ou indiretamente com saúde mental propondo causas gerais para problemas complexos. Reduzir nossas angústias em classificações objetivas talvez apazigue momentaneamente nossa vontade de encontrar bodes expiatórios para nossos sofrimentos, mas essa atitude não nos põe no lugar de pensarmos profundamente sobre a realidade que nos cerca.

Crianças e adolescentes atravessando crises de ansiedade, depressão, surtos psicóticos, abandonando a escola, perdendo a vida nos põe a pensar na medida em que toca fundamentalmente em nossos medos mais profundos. A juventude simboliza para nós esperança, vigor, possibilidades… E seu adoecimento indica um problema maior, civilizatório, da ordem da educação e do modo como cuidamos das gerações que irão, em um futuro breve, tomar conta do mundo.

É digno buscar respostas para nossas angústias. E frequentemente buscamos essas respostas em quem se debruça sobre o assunto, os especialistas, profissionais da área. Não vejo nada de errado nisso. É uma postura humilde de quem reconhece que não sabe tudo. O problema não é este. O problema reside no fato de que estas respostas, mesmo proporcionadas por especialistas de renome, muitas vezes acabam assumindo um tom definitivo, de verdade, de resolução dos fatos. Poucos são os que convidam a pensar.

E então o especialista diz que a ordem do problema dos jovens passa pela dificuldade de lidar com frustrações. Pois bem, vamos interpretar essa linha de pensamento, pois se não o fizermos tomaremos como verdade e corremos o risco de não ampliar nossa percepção. E aqui ressalto: O que o “especialista” (não estou falando de alguém específico, mas apenas de uma narrativa comum) quer dizer é que os jovens não sabem lidar com frustrações por não receberem limites, por não estarem diretamente sendo frustrados.

Quando falamos de frustração estamos nos referindo ao sentimento de falta perante a um desejo que não pode ser realizado. Este é um sentimento de contato com o mundo, com os outros. Como seres desejantes, iremos sempre encontrar no mundo suas idiossincrasias que nem sempre atendem nossas pulsões, nossas demandas. Lidar com frustrações passa pela necessidade de expandirmos nossos repertórios de compreensão do mundo. A birra da criança que chora por não ter seu desejo realizado é superada na medida em que a criança aprende outras possibilidades de ser no mundo. Se eu não posso ter isto, posso direcionar meu desejo para aquilo.

É fato que diante da frustração buscamos novas elaborações. Mas não fazemos isto sozinhos. Aprendemos. A mão que nos orienta é aquela que proporciona um novo saber. Se um jovem não sabe lidar com suas frustrações, não é a falta da frustração o problema, mas sim a falta do repertório necessário para lidar com a frustração.

Se alguém afirma que o problema da criança é falta de limite, sem pensarmos no assunto, podemos interpretar isto da maneira mais grosseira possível: É preciso mais rigidez, mais privação. E isto se traduz, comumente, em mais gritaria, mais violência. Pensem comigo… Esta geração não sofre com limites? Olhem o mundo ao redor. Cada vez mais violento, exigente. Um mundo permeado de situações de riscos que colocam a nossa própria sobrevivência no limite de suas possibilidades. Já pensaram em como é ser criança em um mundo que diz para você que talvez você possa ter um futuro minimamente digno, desde que os adultos que governam esse mundo não explodam em nossas cabeças alguma bomba nuclear, ou desde que possamos encontrar uma solução para que o futuro não seja árido e inviável para nossa própria sobrevivência?

Nós não somos responsáveis por proporcionar aos nossos filhos a experiência da frustração. Este sentimento é visceral e ocorre no primeiro momento do nascimento, quando sentimentos pela primeira vez as intempéries do mundo, como o frio, a fome, a dor. Mas somos responsáveis em guiá-los para que aprendam a elaborar a falta. Quando mitigamos a tristeza com o consumo, quando negamos a angústia como um fato existente e importante em nossas vidas ou quando simplesmente não proporcionamos a atenção necessária, o afeto, o carinho, a escuta, estamos deixando nossas crianças sem a experiência do aprendizado necessário para que possam lidar com o sentimento de frustração.

E vale aqui destacar também que todas as expectativas que depositamos em nossas crianças também são causadoras de frustração. Por lógica, nem sempre a criança consegue dar conta destas expectativas. Nem sempre estas expectativas dizem respeito a quem elas são. Nem sempre a frustração é construtiva. Via de regra, nossos desejos podem ser simplesmente frustrados por não encontrarem brecha para se expressarem. Lidar com frustrações nem sempre passa pela aceitação da falta. A revolta, a rebeldia também são expressões legítimas daquele que reivindica a possibilidade de Ser.

Como psicólogo de crianças e adolescentes o que mais encontro em casos mais sensíveis não é a falta da frustração, mas sim o problema de uma frustração que surge a partir da falta da possibilidade de ser quem se é. Incompreendidos e excessivamente cobrados, não encontram nem repertório para se guiarem, nem uma mão que possa orientá-los nos caminhos da existência. Sufocados, se alienam nas “pílulas” dos pequenos prazeres virtuais, projetam suas dores nos outros e se limitam em uma atitude de prostração perante a vida.

Buscando o bode expiatório para explicar a decadência da qualidade de vida de nossos jovens, podemos cair na armadilha de reforçar a origem do problema. Somos seres pensantes, de conhecimento. Crianças e adolescentes forçados a adotar posturas que consideramos como ideais nem sempre respondem conforme nossos ditames. O problema não está na falta de limites, mas sim na falta de possibilidades. Não está na falta da frustração, mas sim no excesso da falta de atenção, de compreensão e orientação.

 

Rafael Ladenthin Menezes

Psicólogo

rafael.ladenthin@gmail.com