Tenho acompanhado nos atendimentos clínicos algumas consequências do momento que vivemos, revelado para nós como uma crise de perspectiva. É um desafio olharmos para o horizonte e não enxergarmos um caminho minimamente sólido. Crises coletivas anuviam o caminho nas frequentes dúvidas sobre o futuro. O medo ronda como uma sombra, acompanhando nosso dia a dia e tomando nosso fôlego nos momentos de maior aflição.

Ainda nos adaptando a esta nova realidade que a pandemia nos impôs, agora nos deparamos com uma crise geopolítica global, intensificada com a guerra entre Rússia e Ucrânia e as consequentes disputas econômicas e de narrativas entre as nações mais ricas do planeta.

Como vivemos em uma era de informação em tempo real, estas crises rondam nossos pensamentos, renovados e tonificados pelas últimas notícias de cada hora. Do medo de uma escalada perigosa e a possibilidade de uma guerra maior ao espanto diante do sofrimento de pessoas que vivem nos territórios afetados pela guerra, somos atravessados pela informação e postos em constante estado de alerta.

As consequências destes contextos em nós, aqui no nosso país, longe da guerra, é vivermos quadros de estresse, sensação de desesperança, crises de ansiedade, irritabilidade e depressão.

É absolutamente urgente tomarmos medidas de cuidado em situações de crise. Ser resiliente não passa somente pela nossa capacidade de aguentarmos de pé as lidas da vida, mas por usarmos a inteligência para conservamos o equilíbrio necessário para seguirmos em frente.

Quem convive e é responsável por crianças precisa estar consciente de que cuidar de si é também cuidar do próximo e que manter-se equilibrado é o fundamento necessário para se manter na condição de educar uma criança que também sofre com as contingências do momento.

Se estivermos demasiadamente estressados, ou com muito medo, faltará energia para dar conta das demandas das crianças. O mais provável é perdermos a paciência, agirmos com irritação ou sermos negligentes.

Se caso você esteja identificando um quadro de estresse e/ou ansiedade fora da normalidade, não relute em buscar assistência, de alguma forma. Mas também procure seguir estes dois passos:

  • Foque no necessário, esteja bem conectado com aquilo que é importante para você. Estudo, trabalho, vida familiar, hobbies, momentos de lazer. Mantenha sua mente ocupada com o que está diante de você, no seu domínio de ação.
  • Diminua substancialmente a carga de informação que absorve durante o dia. Não temos necessidade de saber de tudo o tempo todo. Nem de passar nosso dia se espantando e se chocando com cada mazela da humanidade. Você não tem controle sobre essas coisas. Se informe em momentos adequados, apenas, e somente o que for necessário.

Em situações de crise, podemos nos perder naquilo que alimenta o medo, a desesperança, a falta de perspectiva, ou podemos aprender a resgatar em plenitude a presença daquilo que é realmente fundamental para nós. Uns aprendem pouco, outros, muito. Vale aqui nossas próprias escolhas.

Sobre as crianças e como abordar estas questões com elas. Aqui, falarei de “crianças”, mas compreendam o termo aqui em suas diferentes fases, crianças pequenas, pré-adolescentes e adolescentes.

Crianças que estão sob nossa responsabilidade estão vivendo esse momento junto de nós, mas interpretando a partir de seus próprios repertórios, de acordo com a idade, personalidade e conhecimento.

Precisamos ter em mente que, sobretudo, estamos educando essas crianças para crescerem neste mundo. E bem sabemos que os desafios pela frente serão grandes. Elas não viverão em um paraíso de paz e oportunidade. Elas viverão em um mundo em transformação, intenso no fascínio do progresso de nossa civilização, mas igualmente intenso nos perigos que esse mesmo progresso oferece.

Nós não sabemos como será o futuro, mas sabemos que precisamos preparar uma geração capaz de lidar com crises e capaz de solucionar grandes desafios. Precisamos educar uma geração inteligente, criativa e com valores humanos fundamentais.

Não pensem que podemos proteger crianças de informações difíceis. O que mais tenho visto no consultório são crianças que estão presentes enquanto adultos falam de seus medos. Crianças que escutam sobre uma guerra, mas não sabem o que está acontecendo.

Se não vem de casa, vem da escola. Se não vem da escola, vem da internet. A informação chega, distorcida, fútil, misturada à fantasia.

Tenho acompanhado crianças com medo, um medo sutil. Algumas nem sabem como expressar, pois só escutam as vozes de adultos que ignoram suas presenças.

Mas como falar de um tema tão complexo? Como abordar o absurdo, com crianças que deveriam estar brincando e se alimentando somente de sonhos, com um horizonte livre de preocupações?

Não podemos nos furtar da responsabilidade de conversarmos com nossos filhos sobre esse mundo que é o mundo que vivemos.

Ofereço as seguintes abordagens, mas pensem vocês, com o conhecimento e sensibilidade que possuem sobre as crianças que estão com vocês, sobre o melhor modo de abordar esses temas.

Lembrem-se que estas sugestões precisam se adaptar para cada fase de desenvolvimento da criança.

  • Conversem sobre como nós, humanos, ainda não conseguimos resolver todos os nossos problemas de relacionamento. Deem exemplos práticos do dia a dia, coisas próximas que a criança já teve contato.
  • Expliquem que, por causa de nossas desavenças, a humanidade já passou por muitos problemas, inclusive por muitas guerras. Nesse ponto é possível contar alguma história, trazer algum mito que aborde algum tipo de conflito.
  • Busquem fundamentar valores, indiquem para a criança como é importante tentarmos resolver nossos conflitos, pois quanto mais tivermos êxito nisso, mais próximos estaremos de viver em um mundo de paz.
  • Mostrem que, mesmo quando seres humanos estão brigando por qualquer motivo, nós seguimos em frente, com esperança, vontade de aprender e de fazer do mundo um lugar melhor.
  • Sobre o conflito atual, é importante mostrar para a criança o quanto ficamos tristes com isso, mas também mostrar que o mundo ainda passa por guerras como essa, mas que aqui estamos seguros e tocando a nossa vida normalmente (Para crianças com um repertório maior sugiro mostrar um mapa, como o Google Earth, indicando onde fica o Brasil, a Europa e onde está acontecendo no momento a guerra, e o quanto é longe de onde vivemos).
  • Indiquem presença, deixando claro para a criança que elas podem falar do assunto sempre que sentirem necessidade.
  • Para crianças mais velhas e adolescentes que possuem uma maior desenvoltura para elaborar complexidades sobre a atual conjuntura: Conversem mais sobre o assunto, sanando dúvidas, trazendo informações mais elaboradas, pesquisando e estudando juntos, mas sempre buscando enquanto perspectiva valores que possam atribuir sentido e aprendizado a partir deste contexto.

O que faz realmente a diferença é atravessarmos esse momento juntos. Conversar trás alívio, esclarecimento e segurança.

Não deixem suas crianças apenas fantasiando. Acolham e aproveitem a oportunidade para ensinar valores.

Assim uma crise pode ser uma oportunidade de aprendizado.

Fiquem todos bem, se cuidem e cuidem de seus próximos.  

 

Rafael Ladenthin

Psicólogo

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